FECHADO EM COPAS

Brasil, aprenda com a Índia: Um constrangimento atlético pode derrotar um governo em campo

Deixa a festa rolar.
Deixa a festa rolar.
Image: Foto da AP/Andre Penner

Ao ouvir as críticas quanto aos preparativos atabalhoados do Brasil para a Copa do Mundo, os Indianos não puderam evitar os ecos de 2010, ano em que o país hospedou os Jogos da Commonwealth, quando eles acabaram constrangidos por escândalos que foram desde construções negligentes até suborno envolvendo funcionários públicos que pagaram US$ 80,00 por rolos do papel higiênico. Acusações de incompetência geralmente assombram organizadores de grandes eventos, mas o Brasil e a Índia são agora responsáveis por dois dos espetáculos esportivos de pior planejamento que assolam a memória. Embora o foco dos brasileiros tenha saído das queixas sobre o constrangimento de US$ 11 bilhões e mudado para a torcida pela Seleção Nacional, os sismos secundários podem ser de longo alcance, como foi no caso da Índia.

Apesar das 8 mil milhas que separam as duas nações, a Índia e o Brasil movem-se no mesmo ritmo, ligação esta que está atualmente mais visível do que nunca. No Índia, os Jogos da Commonwealth acabaram vistos como um sucesso surpreendente, mas os escândalos ajudaram a inflamar uma revolta contra o governo, que culminou na derrota esmagadora do Congresso Nacional Indiano, partido da situação, em maio. Um panorama similar pode vir a acontecer no Brasil, onde a ira popular quanto ao dinheiro esbanjado na Copa, enquanto estradas e escolas prosseguem subfinanciadas, desencadeou protestos gigantes contra o governo no ano passado. A raiva persistiu mesmo depois que a  Seleção entrou em campo, e os partidos da oposição detectam que a encarregada Dilma Rousseff está vulnerável nas eleições presidenciais programadas para outubro.

Os movimentos de oposição da Índia e do Brasil brotam, em parte, das raízes que ambos os países compartilham como culturas de “alto contexto”, conceito criado pelo antropólogo Edward Hall para descrever sociedades cujas populações tendem a ser pitorescas e conversadoras, mas evitam diálogos francos e tratam prazos de maneira casual. Sociedades do tipo favorecem o grupo interno, seja a família ou círculo de negócios, e são, portanto, propícias ao tipo de corrupção e atrasos que afetam grandes eventos em países de alto contexto, como Grécia, Índia e Brasil. Um mês antes da Índia entrar em cena como anfitriã em 2010, o CEO dos Jogos da Commonwealth descreveu a vila dos atletas como “suja e inóspita”. No aquecimento desta Copa do Mundo, um oficial do alto escalão da FIFA disse que o Brasil precisava de um “pontapé na bunda” para ficar pronto a tempo.

Por outro lado, pessoas de culturas de baixo contexto, como Alemanha ou Grã-Bretanha, tendem a ter menos espírito, ser mais organizadas e concluir projetos pontualmente. Uma torcedora croata no Rio disse à Reuters que, tendo experimentando “ordem” na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha, não estava preocupada com atrasos ou protestos. “Isso é Brasil”, disse ela. “Eu quero que tenha um pouco de loucura”.

Países asiáticos—onde o discurso é indireto mas a disciplina é estrita—são frequentemente uma mistura de contextos alto e baixo. Culturas como estas produzem resultados muito diferentes: China, Japão e Coreia organizaram eventos de Olimpíadas e Copa do Mundo com poucas, se é que houve alguma, queixas quanto a quartos sujos ou estádios inacabados. Rousseff reconheceu estas diferenças de maneira tática quando, ao defender os atrasos nas construções, afirmou, “Ninguém faz (um metrô) em dois anos. Bom, talvez a China”.

Muitos brasileiros estão de saco cheio do “pouquinho de loucura” e enxergam a esperança de mudança no exemplo da Índia. Lá, a aversão popular contra a má administração da economia por parte do Congresso Nacional Indiano o conduziu à derrota em maio, pelas mãos de Narendra Modi, um forte governador estadual com reputação de fazer uma gestão eficiente. Os investidores brasileiros olham agora para a onda de crescimento da bolsa de valores depois de Modi e concluem que uma vitória da oposição poderia provocar resultados semelhantes no Brasil. O mercado cresceu quase 30% desde março, quando Dilma começou a cair nas pesquisas de intenção de voto, e segue um caminho que espelha o trajeto da Índia antes das eleições de maio.

As duas sociedades caminham agora com o mesmo passo, com classes médias convencidas de que é hora de renovar um modelo econômico com raízes socialistas. As bolsas de valores crescem no Brasil e na Índia, apesar de poucos sinais de melhoria na economia dos países, que compartilham um histórico de despesas pesadas com bem-estar e investimentos fracos em serviços básicos—uma das razões pelas quais o dinheiro esbanjado nos esportes causa tanta polêmica. Redes precárias de infraestrutura tornam estas nações vulneráveis à estagflação. Espera-se que a economia brasileira mal cresça 1% este ano, com inflação de 6%. Contudo, os investidores brasileiros não falam sobre economia, comentam apenas o enfraquecimento de Rousseff.

A principal figura na oposição brasileira é Aécio Neves, que, como Modi, foi um governador estadual conhecido por concluir obras iniciadas. Seu ministro da Fazenda seria Armínio Fraga, membro chave da equipe que nos anos 90 ajudou a conter a hiperinflação, câncer que ainda ameaça outras sociedades de alto contexto como a Venezuela, em um momento em que empresários brasileiros preocupam-se abertamente com o fato de que gastos estatais imprudentes estejam transformando o país “na próxima Venezuela”. Portanto, mesmo abraçando a Copa do Mundo agora, os brasileiros podem ainda optar por uma nova liderança, uma vez que os males econômicos continuam se acumulando no país.

Uma versão deste artigo apareceu no jornal Times of India. Comentários devem ser enviados para ideas@qz.com.

Translated from English by Paula Góes.